Todos sabemos que a inadimplência é um problema recorrente nos condomínios e nesse momento de pandemia que se seguirá de recessão, sem sombra de dúvida ela vai aumentar.
Atuo com cobranças somente em condomínios há 20 anos e sempre me manifesto no sentido de que ninguém deixa de saldar suas dívidas porque acha interessante, embora já tenha ouvido todas as justificativas possíveis, imaginárias, reais e absurdas de condôminos como:
“vocês não me lembraram do vencimento; tive que pagar a parcela do carro”. Logicamente há aqueles que enfrentam problemas e mazelas da vida e acabam por atrasar as contribuições destinadas à manutenção do empreendimento, cujo dever vem previsto no artigo 1336, Inciso I do Código Civil.
Todos sabemos nossos rendimentos, o que é possível adiar ou não. E o seu condomínio é inadiável. Pense que é através dele que os funcionários diretos ou indiretos (zelador, porteiro, pessoal da limpeza), e os prestadores de serviços (elevador, sistema de combate a incêndio, limpeza geral, etc.) dependem dessa contribuição para sobreviverem. É uma engrenagem perfeita que sem um dente, não seguirá adequadamente.
Nesse momento é certo que a inadimplência aumentará e infelizmente alguns se aproveitarão dele para dar prioridade a outras despesas. É de suma importância que o condômino que, de fato, tenha tido perda drástica em seus rendimentos e não consiga cumprir com o seu dever de pagar a cota condominial não espere muito tempo e a dívida aumentar por meses para procurar o síndico ou a administração.
Sugiro que acordos sejam realizados num número maior de parcelas, sem excluir juros, multa e correção. O síndico saberá separar aquele que foi incontestavelmente lesado pela pandemia daquele devedor contumaz e dos que, infelizmente, tentam se beneficiar com as situações de crise. O condômino consciente sabe que a manutenção regular de seu patrimônio não pode ser arriscada e caso seja necessário atrasar, agirá rapidamente para que a sua pendência não fique maior e prejudique ainda mais a si e aos seus pares.
Nesse momento, os condomínios saberão o quão vital é arrecadar mensalmente o fundo de reserva, pois, um pouquinho todos os meses faz diferença em tempos difíceis. Ele vem instituído e regulamentado na convenção condominial, geralmente estabelecido no cálculo de despesas ordinárias num percentual de 5% a 10% do valor mensal, inclusive prevê quando e como poderá ser
utilizado. Algumas preveem até mesmo o limite a ser arrecadado e ao ser alcançado determina sua destinação como pintura de fachada ou decisão assemblear. Mas caso a convenção nada diga sobre a sua forma de utilização é determinante que o síndico realize uma assembleia para tratar do tema. Uma vez que ele é um percentual que se destaca da conta ordinária, não deve ser utilizado para repor a inadimplência, isso em tese. Penso que nesses especiais e excepcionais momentos ele pode ser utilizado. O fundo de reserva se destina justamente para situações emergenciais como a que vivemos, em que a quarentena impediu a muitos de obterem a mesma receita e, caso não seja possível fazer assembleia para autorizar seu uso e se a situação do condomínio for muito grave,
o síndico com muita responsabilidade poderá utilizá-lo e ato contínuo esclarecer o uso, destinação e aprovação em regular assembleia. O momento de força maior autoriza sua utilização desde que seja para manter a manutenção regular diante de uma inadimplência incomum e que não foi considerada quando da provisão orçamentária.
Temos que agir com empatia e acreditar que as pessoas agem de boa-fé e dar oportunidade ao condômino que solicita renegociação ante ao momento mundial delicado enfrentado e o tempo dirá quem se utilizou dele de forma descabida e em detrimento da coletividade condominial.
Por Diário das Leis
A autora é Advogada em São Paulo, SP. Consultora jurídica condominial, palestrante, membro efetivo da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP, subseção Santana, e da Comissão
de Direito Condominial da OAB-SP. É especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Autora do livro “Respostas às 120 dúvidas mais frequentes em matéria
condominial”. Colunista de revistas/sites da área condominial.
Suse Paula Duarte Cruz Kleiber